Conheçamos e prossigamos em conhecer ao Senhor; a sua saída, com a alva, é certa;
e Ele nós virá como a chuva, como a chuva serôdia que rega a terra.
Oséias 6 : 3

7 de novembro de 2010

A ESPERANÇA É ÚLTIMA QUE NÃO MORRE!



            Se basearmos nossa visão de mundo em uma concepção de que o último dos sentimentos mais importantes é o derradeiro a perecer – a esperança -, qualquer que seja o The Day After, com efeito, seríamos uma legião de atormentados rumando para os nossos próprios abismos.
A ideia basilar, portanto, de que a esperança é a última que morre, não condiz com o pensamento cristão, cuja prática se renova diariamente, através do advento absoluto da graça, demarcado pela aparição e glória do Messias – o Cristo, unigênito de Deus.
            Pelo turno da tradição clássica, que funda o conceito da possível morte da esperança, que advém da mitologia grega, quando Pandora, ao abrir a temida caixa, para desespero de Zeus, apavora-se, ao perceber a fuga de todos os males, de todas as doenças, de todas as mazelas, que assolam a Humanidade, desde o seu primórdio, segundo o mito helênico que trata de uma das etapas da criação do mundo, clarifica-se, por um lado, para os ocidentais, a noção de que, embora a deusa da narrativa mítica em questão encerre na caixa, aprisionando, ad eternum, o último dos sentimentos - a esperança -, esta última, provavelmente, um dia, morrerá.  A priori, pesa sobre esta legenda mítica uma dubiedade terrífica. Qual seja: a esperança guardada na caixa, para a felicidade dos mortais, garante a salvação do mundo contra todas as tragédias e desgraças que possam acometer o Homem e sua raça, à semelhança dos deuses olimpianos, à primeira vista. A posteriori, entretanto, mergulhando na raiz da verdade, que radicaliza a mensagem cifrada do mito como narrativa histórica, revelamos a voz recôndita e fossilizada no dito popular conhecido por “a esperança é a última que morre”. Não obstante, a desleixada Pandora ter evitado o apocalipse antes de seu próprio fado, como evento escatológico, depreende-se, portanto, que, um dia, para a desgraça dos mortais, aquela que nos salvou no passado, desafortunadamente perecerá, deixando homens e mulheres presos nas garras do fim dos tempos. Seria, porventura, este dia, o horrendo Armageddon, tão propalado nos últimos tempos?
            Ora, se a esperança há de morrer, indelevelmente, em um futuro sombrio, quando o sol e a noite se confundirem e a aurora nunca mais nascer no horizonte, enterrando, para sempre, o tempo da felicidade, e fazendo surgir a era das dores eternas, por que, então, a nossa heroína Pandora a manteve protegida em uma caixa, se a divindade sabia que tudo acabaria com a sua morte?  
            Nem os gregos, nem os romanos, e tampouco, ainda, aparecera alguém na terra capaz de dar solução ao axioma lançado por um mito que caminha perigosamente sobre o fio da navalha.  Em verdade, a dúvida inexiste nos evangelhos, sobretudo na seção neotestamentária, que aborda a questão concernente à esperança, sua natureza e sua importância na mensagem das boas novas; e, por conseguinte, como rubrica emblemática da Era da Graça e sua permanência em tempos atuais.
            A esperança não é a última que morre porque ela não morre jamais. Esta, sim, deve ser a leitura crística sobre a esperança; seu status, e, principalmente, seu papel como fundamento no Novo Testamento, e para aqueles aos quais as palavras genuínas da salvação são endereçadas, através de uma mensagem que firma suas bases, de forma inequívoca, sobre o amor, a fé, e, claro, sobre a esperança – nosso objeto de defesa e releitura do elemento mítico, à luz das Sagradas Escrituras, na presente explanação.
            Em sua epístola escrita aos Romanos, o apóstolo Paulo nos diz:

                                Porque, em esperança, somos salvos. Ora a esperança que se vê
                                           não é esperança; porque o que alguém vê, como o esperará?   
                                           Mas se esperamos o que não vemos, com paciência o esperamos.
                                                                                                                             (Romanos 8 : 24 – 25)

            A partir da letra paulina sobre a esperança, que revela a sua imortalidade, além de derrubar o mito de que aquela é o último sentimento a desaparecer na falível caixa da deusa Pandora, e, assim, dar cabo à espécie humana e ao mundo, o referido apóstolo, que reforma o evangelho de Cristo, atualizando-o em seu tempo e ratificando a atemporalidade das palavras proféticas do homem de Nazaré, estabelece o verdadeiro padrão para que a salvação alcance a todos aqueles que crêem no filho do Deus altíssimo, que fora sacrificado na cruz para que a Humanidade pudesse gozar da eternidade plena no paraíso promulgado pela carta testamentária do apóstolo São João, intitulada Apocalipse.
            A esperança, desse modo, nas palavras de São Paulo, é uma das manifestações da Graça, na qual todos os crentes em Jesus Cristo são efetivamente salvos; e a fé, o motor que move os corações crédulos, sobretudo os que não viram a Cristo, escuda outra força potente, inesgotável, e, eterna: a própria esperança. Logo, as Escrituras Sagradas liquidam, de vez, a legenda que vaticina a morte da esperança por ter sido o único elemento que não escapou da fatídica caixa de Pandora. A esperança está mais viva do que nunca assim como a palavra de Deus, que ancora a salvação dos crentes no Cristo messiânico, tendo aquela como ator principal nesse processo redentor, que é o legado da salvação, e, conseqüentemente, a posse do direito de estar ao lado de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo, no paraíso celestial.
            Quanto ao mito de Pandora e a sua caixa mítica, só nos resta afirmar que nem a deusa desobediente e nem a sua caixa divina sequer existiram no mundo espiritual ou no mundo material, segundo a mitologia dos helênicos.
Quanto à esperança, a partir dos ensinamentos contidos no Novo Testamento, cumpre-nos asseverar, com propriedade: aquela, sim, sempre existiu, existirá e jamais morrerá, nem que seja a última.

24 de outubro de 2010


         “Andar com fé eu vou, que a fé não costuma faiá...” Certamente, muitos leitores sabem que este verso pertence a uma das mais belas canções da música popular brasileira – Andar com fé, do compositor e cantor Gilberto Gil. E o poeta, que a concebeu, literalmente não falhou, ao afirmar, de forma categórica, que andar e falhar caminham de mãos dadas com a fé. Não basta, portanto, ter somente fé. A posse da fé tem sentido se andarmos com ela; e, ao caminharmos com fé, descobrimos que ela é infalível! O poeta sintetizou a verdade, a experiência e a natureza da fé em um verso singular!
         Vãs seriam todas as tentativas se algum mortal se dispusesse a criar um conceito para fé; ou não haveria linhas suficientes para abarcar o universo que compreende tudo aquilo que é crível, e que, desse modo, existe por causa da fé. A fé, assim, é a força motriz para que a vida daqueles que acreditam em algo ou em alguém tenha sentido pleno, e que, como diz o verso da canção, não costuma falhar. Ratificando bem: não costuma falhar; e se falha, a culpa é exclusivamente nossa, é claro!
         Pense bem na palavra fé: um vocábulo monossílabo, oxítono, e que cabe no bolso de qualquer pessoa! Tão sintético, mas que concentra um vigor capaz de engolir universos inteiros! Aparentemente pequeno e imperceptível, mas imensurável em sua essência abstrata, e responsável por todas as conquistas na vida daqueles que aspiram à vitória como condição fundamental para serem pessoas que buscam incansavelmente a felicidade, que exercem a prática do amor ao próximo, e, sobretudo, carregam dentro dos corações o último dos grandes sentimentos: a esperança.
        Ora, se, por um lado, a fé surge como luminar minúsculo, mas que possui uma energia exuberante e inesgotável, por outro lado, a fé emerge diante de nossa visão, muitas vezes limitada, como se fosse uma verdadeira locomotiva, cujos vagões representam toda a cadeia de valores e princípios que dela emanam. Limitada, sim, porque nós a limitamos com a nossa incredulidade, que a torna menor do que um grão de mostarda. Logo, a fé é mais do que energia, dinâmica, força etc. Embora pareça estar no mundo das abstrações, a fé está, implacavelmente, no mundo das formas palpáveis e concretas; nas atitudes dos homens e nas mulheres de boa vontade; na transformação dos impossíveis em possíveis absolutos, que nos surpreendem ao longo de nossa trajetória como seres humanos.
         Se a fé não tem nada a ver com a visão ocular, mas, sim, com a percepção extra-sensorial, a sensibilidade dá o tom do fenômeno daquela em nossas vidas; e, no desaguar de nossos sentimentos mais nobres, a fé é esta matriz que promove, consolida e multiplica as ações, que humanizam o mundo e tornam os valores mais justos e igualitário entre aqueles que, desafortunadamente, são excluídos do bem - estar, em todos os níveis.
       A fé não deve remover montanhas! Não! A fé deve remover os corações dos homens para que o amor floresça e seja a chave de acesso para a transformação de vidas em mundo que almeja justiça. A fé não deve ser invisível! Não! A fé deve ser o elemento mais visível, mais cristalino, dentre todas as coisas que existem no mundo para que um ser humano, ao contemplá-la, possa descobrir, por esta via, o real valor da confiança – pilar de sustentação para todas as relações que se pautam no respeito mútuo, na amizade fraterna e na verdadeira comunhão, que, por sua vez, deve ser traduzida por atitudes que elevem o Homem no campo dos valores espirituais, de forma incondicional.
         A fé não vem do alto. Não! A fé, assim como a sabedoria, foi criada antes de o mundo ser formado pelo Criador. Logo, a sua existência precede a de todos os seres viventes, criaturas e filhos de Deus que habitam este planeta. Ela não está em lugar algum; cada ser humano nasce com ela! Sim! A fé é uma semente que já está cultivada em nossos corações. Devemos tão somente regá-las para que ela cresça, se desenvolva e se transforme em árvore frondosa. Essa é a obrigação de cada um de nós; esse é o dever de casa que todos devemos fazer, todos os dias, até o dia em que cessar a nossa caminhada por essa vereda sinuosa chamada Vida.
          A fé produz coragem, e a coragem destrói os medos que sempre nos rondam como fantasmas quase invencíveis. Armados para a batalha e fortalecidos pela fé, podemos, então, andar; andar de cabeça erguida, acreditando no amanhã cada vez mais promissor. Assim, a fé jamais falhará, pois somos nós as verdadeiras sentinelas dessa força que é capaz de mover céus e mares; de tocar o coração de Deus; e de operar milagres.
          Lancemos  o  nosso  olhar  sobre  as  escrituras  sagradas  e  reflitamos.  Eis  o que diz o apóstolo Paulo em uma de suas cartas: “Porque andamos por fé e não por vista” (2 Coríntios 5 : 7). Bom seria, então, se todos nós fôssemos cegos; mas, ainda assim, Deus, em sua misericórdia infinita, nos concedeu um par de olhos para que, em não buscando a fé, que está dentro de cada um de nós, pudéssemos ter a chance de aprender a se apossar de algo que é inerente aos filhos de Deus, e que de nós jamais será roubada ou aniquilada! Andemos com fé, prossigamos com fé, pois “ela” jamais falhará; quer dizer, o poeta brincou com as palavras e o sujeito da ação – na verdade, a fé não costuma falhar, mas somos nós quem falhamos! Andemos com fé para que não falhemos...
                                        
                                João Carlos de Souza Ribeiro
                                     Pós Doutor em Poética